Reflexões sobre o direito administrativo na contemporaneidade
O título da obra que prefacio, organizada pelo colega Felipe Dalenogare Alves, que se lança como um expoente administrativista brasileiro, e pela aluna de mestrado Grégora Beatriz Hoffmann, que já apresenta relevante destaque pela sua dedicação e inteligência, já oferece uma excelente reflexão: “O direito administrativo na contemporaneidade”. Na verdade, essa reflexão se adequa ao direito enquanto ciência, na medida em que a contemporaneidade rompeu com paradigmas construídos na modernidade. O referido título remete à seguinte indagação: quais as mudanças que o direito administrativo de hoje apresenta em relação ao direito administrativo “de ontem”? Ocorre que a resposta àquela indagação não caberia em nenhum trabalho acadêmico, haja vista as inumeráveis inovações que ocorreram nas últimas décadas. Embora não seja possível elencá-las taxativamente, essa obra sistematiza de forma exemplar algumas mudanças significativas no direito administrativo. Nos países que aderiram à civil law, tradicionalmente este ramo do direito foi informado pelo conservadorismo e muita resistência a novos pilares teóricos que foram erigindose sobre as bases de um constitucionalismo contemporâneo. Exemplo disto é a dificuldade de entender a legalidade além da mera observância à letra fria da lei, mas sim compreendê-la dentro de um emaranhado de normas de cunho principiológico, dentre os quais se destacam os princípios da moralidade e da segurança jurídica. Estes, bem como todos os demais que regem o direito administrativo, não permitem ao jurista uma leitura apartada e segmentada, mas exigem uma compreensão que dê conta da complexidade do direito contemporâneo e das atividades outorgadas à administração pública após a Constituição Federal de 1988. Com isso, a discussão sobre a superação do modelo burocrático, que entra em colapso na década de 90, ocupa um lugar de destaque entre os administrativistas em razão de novas atribuições que o Estado assume na Constituição Federal de 1988, ampliando as áreas de atuação deste, e, consequentemente, o modus opernadi da atividade administrativa. O modelo de contratação desenhado na lei 8.666/93 também apresentou-se como engessado para os novos tempos. Assim, o cenário jurídico ocupou-se de desenhar formas menos burocráticas de contratação, de ampliar o rol das situações fáticas que justificam a contratação direta levando a própria supressão da fase licitatória. Porém, se de um lado a flexibilização na fase licitatória tem suas vantagens, por outro, tal situação abre brechas significativas de práticas antirrepublicanas pela falta de controle sobre o agente público, que define as causas justificadoras da contratação direita. Por falar em controle da administração pública, algo tão caro ao direito administrativo, as discussões sobre os limites e possibilidade do controle jurisdicional das escolhas do gestor público é um campo demasiadamente polêmico e de debates intermináveis. Pelo protagonismo do Poder Judiciário nacional em sede de políticas públicas, este debate apresentase de essencial importância e recebeu da presente obra o destaque ao qual faz jus. Avançou-se, com a Constituição cidadã, à obrigatoriedade de realização de concursos públicos para o provimento de cargos e empregos, porém deixou-se espaços de margem de apreciação do gestor para afastar-se desta regra, porque há cargos e funções que exigem um grau de confiança entre o agente político e o público, porém não são raros os casos de uso inadequado desta discricionariedade, situação que coloca em xeque o princípio republicano da impessoalidade e da moralidade. Em 2018, as instituições brasileiras foram provocadas a buscar medidas para a fragilidade à qual o país se deparou com a paralização dos caminhoneiros, e, consequentemente, do próprio país. Tal acontecimento leva à reflexão sobre a real necessidade de aumentar o controle do transporte de cargas diante da essencialidade que tal serviço possui, tema também enfrentado na presente obra. Por fim, destaca-se o tema da improbidade administrativa como uma das múltiplas faces da corrupção. Esta corrói todas as estruturas democráticas, aniquila os princípios que regem o Estado Democrático de Direito, e, por estas e muitas outras razões, deve conjugar esforços para que seja alijada das estruturas administrativas do estado e da sociedade. Sem delongas, como se pode perceber, a presente obra apresenta temas relevantes para o direito administrativo e, por conseguinte, para a sociedade, trazendo ao público um debate sério e crítico com o propósito de se pensar medidas efetivas para o aprimoramento do Direito Administrativo. Santa Cruz do Sul, outono de 2019. Denise Bittencourt Friedrich Mestre e Doutora em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul Professora na Graduação, Especialização e no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Santa Cruz do Sul