Contestando as fronteiras de gênero, raça e sexualidade na sociedade brasileira
Geralmente, a sociedade desigual brasileira é considerada racista, classista, homofóbica, machista e sexista, ou melhor, heterossexista. Estes predicados sociais, além de outros que podem ser citados, são frequentemente confirmados pelos altos índices de violência que se reproduzem cotidianamente nos mais diversos espaços de sociabilidade e vitimizam determinados corpos banidos historicamente para a inferiorização, coisificação ou para o status de semi-humanidade. Em especial, corpos pretos, trabalhadore(a)s pobres e dissidentes da heteronormatividade parecem (re) existir em um cenário que regularmente precariza as condições materiais de suas persistências. Este livro fala de gênero, sexualidade e raça de maneira interseccional. Sublinha os diferentes processos socioculturais em que estes marcadores são acionados e entrecruzados para possibilitar ou inviabilizar a persistência dos corpos humanos em determinados contextos socioculturais tais como a escola, o convívio familiar, os presídios e as mídias digitais. No cenário social contemporâneo, especialmente brasileiro, observamos uma movimentação de grupos conservadores1 , notadamente de fundamentalistas religiosos e/ou neofascistas, que buscam produzir uma desqualificação e/ou pânico social em relação às discussões de gênero e sexualidade, fundamentalmente nos espaços escolares. Neste contexto, a categoria analítica gênero é acusada como articuladora de um processo de destruição da ordem social vigente marcada pela desigualdade de gênero e sexual que se expressa principalmente nas violências perpetradas contra todas as dissidências da heteronormatividade. Assim, tratar da sexualidade dos corpos humanos, principalmente nas escolas, representaria uma estratégia de grupos sociais “contra a família” e “contra Deus” para homossexualizar as crianças e os adolescentes. Os primeiros textos deste livro tematizam o racismo, a desigualdade de gênero, a violência doméstica e a resistência dos corpos em determinados espaços de sociabilidade. Em seguida, as normas de gênero e de sexualidade são analisadas em contextos escolares em uma perspectiva da diversidade e do respeito, principalmente para os corpos que sofrem violências múltiplas e não são acolhidos em suas corporalidades dissidentes da heteronorma. A perspectiva desconstrutivista de gênero e da sexualidade é tematizada em artigos que tratam do cinema, visibilidade das pessoas negras e da transexualidade. E, nos últimos capítulos, questões relacionadas aos processos de subjetivação da sexualidade, privação da liberdade, encarceramento, direitos humanos e a resistência dos movimentos sociais, retomam a problematização das contestações normativas da intersecção entre gênero, sexualidade e raça. Este livro objetiva discutir as principais questões sociais do mundo contemporâneo relacionadas ao gênero, à sexualidade e à raça. E, desta maneira, se encaixa em um processo persistente de resistir, em qualquer lugar de fala possível, aos dispositivos sociais que normalizam e até celebram, rotineiramente, as desigualdades, as opressões e as violências contra estes corpos dissidentes pretos, femininos e LGBTQIA+.