CIDADANIA MUNDIAL
Para alinhavar essas primeiras linhas, tomo de empréstimo as palavras de Oliveira (2023)[1], as quais ajudam na percepção de uma nova ordem que precisa ser reescrita. Não uma ordem que nos algema, mas que nos instiga e nos veste da responsabilidade de nos assumirmos como construtores “vivos de vida”, de nós mesmos e do mundo. Em seu tecer, reporta-se ao poeta mítico de Nietzsche, Zaratustra, que “dizia haver chegado o tempo que o homem plantaria as sementes da sua mais alta esperança”. Plantar e cultivar essas sementes de esperança talvez nos reporte justamente a reescrever essa nossa nova condição, nossa no mundo, e do mundo em nós. Há de se fazer, no entanto, um alerta: pensar a cidadania sem reduzir essa condição a simplismos ou clichês não é uma tarefa fácil. Eis o desafio que o nobre colega Pedro Arturo se pôs a carregar. Assumiu uma jornada que é por vezes cansativa e, porque não dizer extenuante. Pensamentos também lhe chegarão, atormentando-o e aconselhando-o a desistir, ressaltando o quanto foi equivocada essa busca por um horizonte perdido. Mas que cidadão seria Pedro se não assumisse a responsabilidade de realizar a jornada, a fim de pensar caminhos outros em busca um mundo melhor, apesar das pedras no percurso? O que seria dele se não compreendesse que a jornada também traz a beleza da paisagem, sentindo o vento frio da tarde, assim como a possibilidade de colher frutos ao longo da estrada e escutar o canto dos pássaros? O que seria dele se deixasse morrer seus sonhos e fosse tomado pelo Nada, como se fora convencido pelo monstro Gmork, da história sem fim, que não haveria mais caminhos, senão juntar-se ao mal, sem mais nenhuma esperança (ENDE, 2001)[2]. Pensar a cidadania mundial, enquanto sonho possível é alimentar a esperança por um mundo melhor, mas não um mundo que natural e miraculosamente se fará dessa forma. O que se coloca em evidência é a produção de um mundo melhor no qual os indivíduos o constroem. Não uma produção linear, livre de intempéries, mas aquela em que as diferenças são também constituintes e, por isso mesmo, podem, dialogicamente, fazer emergir arranjos que permitam produzir os frutos que alimentarão nosso futuro e o dos outros que dividem essa existência terrena ou, por que não dizer, planetária, assim como enfatizou Morin (2007)[3]. Também é preciso germinar o solo, sem o qual nenhuma semente nascerá, nem muito menos flores, frutos e vidas novas. Analogicamente, não seria a busca pela cidadania mundial, também o que fez Zaratustra, ao descer da montanha e trazer a boa nova e, assim, a transformação do homem no super-homem? (NIETZSCHE, 2000)[4] Em suas “pregações”, o profeta Zaratustra percebeu a necessidade de companheiros para sua jornada, mas aqueles que desejassem seguir a si mesmo, como criadores de novos valores (NIETZSCHE, 2000). Pedro Arturo também compreendeu a importância de não fazer a jornada sozinho. Outros sujeitos, outros autores de si mesmos, no sentido dado por Ardoino (1998)[5], aceitaram dividir a marcha. Fransciso Vanderlei de Lima, Luis Antonio Gomes Lopes, Allívia Rouse Carregosa Rabbani, Roberto Muhájir Rahnemay Rabbani, Emilia Rahnemay Kohlman Rabbani, Giovanna Wanderley, Adriano Menino de Macêdo Júnior e Haixor de la Peña Cárcamo, livremente também assumiram, aos seus modos, o desafio. Junto a Pedro, não como um pastor e seu rebanho, mas com como indivíduos que buscam a constituição do jardim de vida que habitamos. Cada um com suas singularidades. Todos eles, não mais no alto da montanha, mas à altura dos homens, entoam seus cânticos “a quem quer tenha ouvidos para as coisas inauditas”[6] e enfrentam “o ruído dos cômicos e o zumbido das moscas venenosas”[7]. Nesse sentido, assumir a cidadania mundial é derrubar os muros que nos isolam uns dos outros. É assumir a condição humana que está presente em todos nós, apesar das diferenças. Essas, aliás não devem ser hierarquizadas, não se constituindo como vis justificativas para dominação do homem pelo homem. É preciso compreender, assim como destacou Morin (2007), tanto a condição humana no mundo, assim como a condição do mundo humano, o que só se faz onde vivemos, no nosso planeta, portanto a apreensão da identidade planetária é condição de aproximação da humanidade que somos e devemos ser. Como se vê, a odisseia porque passam os autores dessa obra é uma odisseia permeada de vida, na qual os saberes que os acompanham tornam-se condição imprescindível para produção dessa história, permitindo-a ser de uma forma e não de outra. Saberes que ao mesmo tempo criam o criador e permitem a criação de saberes outros. Não há a constituição do cidadão mundial sem se conseguir ler esse mundo, compreendendo-o, mas também reconhecendo as lacunas que não conseguimos eliminar. Tudo isso é formativo e fundante da realidade em que vivemos e construímos, assim como no - e do - constructo de nós mesmos. Os textos que aqui são apresentados trazem suas perspectivas de ver o mundo e a relação deste com a cidadania no mundo. Trazem olhares que permitirão a construção de saberes outros pelos sujeitos que tiverem acesso a essa produção. Nesses termos, essa obra traz, dentre outros aspectos, a possibilidade de ser semente para elaboração de outros saberes, como já dito, mas também e, inseparavelmente, para ser germem para o nascimento dos cidadãos mundiais que devemos ser. [1] Em conversa neste mês de março com o amigo Francisco Vieira sobre o tema desta obra, via mídia digital [2] ENDE, M. A história sem fim. São Paulo: Martins Fontes, 2001. [3] As citações de Edgar Morin, presentes nesse prefácio, referem-se a obra Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro, publicado em 2007, pela editora Cortez. [4] NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2000. [5] ARDOINO, Jacques. Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves. Multireferencialidade nas Ciências Sociais e na Educação. São Paulo: Editora da UFScar, 1998. [6] NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2000, p. 33. [7] Idem, ibidem, p. 53.