O Direito nas intersecções entre o fático e o normativo
O senso comum, geralmente, associa de forma sinonímica o ordenamento jurídico – conjunto de leis de um Estado – ao Direito. Não que isso seja um equívoco, afinal a legislação nacional, realmente, é uma das fontes do Direito, mas está longe de ser a única, perfilando-se ao lado de outras, como os costumes, a jurisprudência, a doutrina, e mesmo os princípios gerais do direito, a analogia e a equidade. Saímos, portanto, do senso comum, mas não seria surpresa caso algum estudante de direito afirmasse que seu objeto de estudo se encerra nestes elementos. Isso porque eles compõem o aspecto normativo da ciência jurídica, ou seja, o tal “mundo do dever-ser”, segundo o qual o Direito deve respeitar a Constituição e as demais leis, bem como deve (na medida do possível) se pautar pelas demais fontes. Engana-se, porém, o dito estudante (de 1º ano, espero). O Direito não se resume ao normativo. Segundo dados da FGV, em março de 2021, com o fim do benefício governamental concedido em função da pandemia de Covid-19, 12,83% da população brasileira se encontrava em extrema pobreza, com renda menor do que R$ 246,00 mensais. Ao mesmo tempo, a Constituição preconiza a erradicação da pobreza como objetivo da República (art. 3º) e elenca a alimentação como direito fundamental (art. 6º). Noutras palavras, o abismo entre o fático e o normativo é, sem dúvida, manifesto no Brasil, e pode ser estendido, infelizmente, a todos os demais objetivos do art. 3º e boa parte dos direitos fundamentais, sejam individuais, sociais ou difusos. Por tudo isso, é necessário que o Direito seja reconhecido para além do dever-ser. Muito se fala da superação do positivismo, mas a verdade é que tal fenômeno ainda não foi realmente completado, seja entre os cidadãos, seja entre os juristas e mesmo os magistrados das mais altas cortes do país. O direito subjetivo não gozado é tão objeto jurídico como o dispositivo legal correlato, e, exatamente por sua ineficácia, ele deve ser escrutinado e analisado em toda sua inteireza, para que seja finalmente efetivado. Para tanto, estudos que busquem destrinchar a interação entre os mundos normativo e fático são sempre, e atualmente ainda mais, imprescindíveis. Na presente obra, esta investigação é realizada por meio de 20 capítulos que abrangem temas dos mais diversos, tais como: Sustentabilidade e o desenvolvimento urbano; Terceirização no serviço público; Síndrome de alienação parental; Estatuto do estrangeiro e Lei de migração; LGPD e o público infantil; Intervenções no domínio econômico; Crime de abandono de posto do Código Penal Militar; Liberdade de expressão e o paradoxo da tolerância; Direitos fundamentais dos policiais civis e militares estaduais; Municipalização da segurança pública do Brasil; Pandemia Covid-19 e lockdown; Desafios de um prefeito na busca por uma gestão municipal efetiva; O incêndio do Museu Nacional de Juatuba e a importância da gestão em segurança pública; O sistema carcerário brasileiro; Possibilidade de separação judicial após a EC 66/2010; O sistema capitalista e as faces da previdência social; Políticas públicas e criminologia crítica voltadas à socioeducação; Reflexões sobre a Justiça restaurativa; Estupro de vulnerável no contexto pandêmico; e, por fim, Mandato coletivo na democracia brasileira. A presente obra se apresenta, diante do exposto, como um interessante adendo aos estudos jurídicos, especialmente por ser dotada de uma veia crítica e interdisciplinar, tão necessária ao Direito, visto que seus dogmas devem ser sempre e incansavelmente questionados. Uma ótima leitura a todos!