Condições de Vida e Inserção Laboral de Imigrantes em Portugal: Efeitos da Crise de 2007-2008
Num período marcado por profundas transformações a nível social e económico resultantes da crise que afetou a economia europeia desde finais da década de 2000, Portugal tem registado significativas alterações no quadro de relações laborais, na disponibilidade do emprego, nos valores salariais praticados e nos níveis de proteção social que disponibiliza aos cidadãos. Os trabalhadores imigrantes, frequentemente inseridos no “mercado de trabalho secundário”, foram duramente afetados por estas transformações estruturais, apresentando sistematicamente taxas de desemprego mais elevadas do que os nacionais e níveis remuneratórios mais baixos. A sua enorme dependência dos rendimentos do trabalho como meio de vida assume, num contexto de diminuição dos postos de trabalho, de redução salarial e de flexibilização dos vínculos contratuais, um caráter ainda mais importante cujas condições de fragilidade e exclusão importa conhecer. Não descurando os estudos já existentes sobre a crise económica e as migrações, este trabalho procurou contribuir para um melhor conhecimento dos efeitos da crise económica de 2007-2008 nas condições de vida dos imigrantes, assim como das estratégias adotadas e dos recursos mobilizados pelas famílias para fazer face aos desafios e para assegurar a sua sobrevivência. Em termos territoriais, foca-se a análise na região Sul do país, ou seja, Lisboa, Alentejo, com o caso de estudo do concelho de Odemira, e Algarve. Pela natureza do financiamento que patrocinou o projeto, foi necessário restringir a análise aos cidadãos nacionais de países terceiros, tendo o processo de recolha direta de informação decorrido entre fevereiro e junho de 2015. O estudo é constituído por três grandes capítulos, encerrando com um ponto de conclusões e recomendações. No primeiro capítulo são apresentados o objeto de estudo e as questões de partida, sendo definidos os objetivos da investigação e os territórios em estudo. É também apresentada a metodologia utilizada e as limitações associadas à prossecução do trabalho. No segundo capítulo, e de modo a compreender a posição de Portugal no contexto das migrações internacionais em período de crise, inclui-se uma breve discussão, evolução e caracterização da imigração, assim como os efeitos da crise nos fluxos migratórios e as modificações recentes no quadro legal para estrangeiros residentes. O capítulo três da discussão decorre em redor do trabalho imigrante, começando por dar uma panorâmica de caráter mais geral e focando-se, posteriormente, numa análise extensiva da incorporação laboral dos imigrantes segundo as principais origens geográficas. Neste mesmo ponto, o estudo dedica-se à análise dos efeitos da crise sobre as condições perante a atividade económica nos três territórios em estudo, analisando alguns indicadores estatísticos disponibilizados pelas diversas fontes oficiais e explorando detalhadamente as respostas dos imigrantes diretamente inquiridos. As respostas institucionais para mitigar os efeitos da crise e as estratégias adotadas pelos imigrantes, bem como os recursos por eles mobilizados encerram este capítulo. Uma das consequências da crise económica foi a diminuição do stock de cidadãos estrangeiros a residir em Portugal por via da redução dos fluxos de entrada, mas também, do aumento do número de saídas de trabalhadores à procura, noutros países, de uma inserção laboral mais consentânea com as suas qualificações, ou que pelo menos, que lhes permita auferir um salário que assegure a sua subsistência e/ou a da sua família. Quanto às consequências ao nível da inserção laboral e condições de vida dos imigrantes, a crise teve impactos consideráveis sobre a população. Vivendo a maior parte dos cidadãos estrangeiros inquiridos no estudo dos rendimentos do trabalho, frequentemente subordinado, e inserindo-se muitos deles em sectores particularmente afetados pela contração económica, as taxas de desemprego (calculadas com base no Inquérito ao Emprego do INE) mostram que os trabalhadores estrangeiros apresentam valores percentuais muito mais elevados comparativamente aos trabalhadores nacionais, mesmo no período antes da crise (2003: 13,5% e 6,1%; 2014: 22,3% e 13,7%). Também entre os inquiridos no nosso estudo, as taxas de desemprego são elevadas, apresentando os trabalhadores mais antigos taxas mais altas comparativamente aos mais recentes: 33,3% entre os chegados entre 1966 e 1990 e 16,3% entre os que vieram entre 2009 e 2015. Relativamente às nacionalidades, os cidadãos asiáticos (6,3%) e ucranianos (7,9%) apresentam as taxas de desemprego mais baixas, ao passo que os PALOP têm a mais elevada taxa de desemprego (43,2%). Outro aspeto afetado pela crise reporta-se à trajetória laboral e ela é muito diferenciada segundo as regiões. A opinião dos inquiridos no Algarve é mais positiva tendo 66,3% afirmado terem trabalhado sempre, um ano após a sua chegada a Portugal, comparativamente à AML (46,9%) e a Odemira (35,4%). Em paralelo, pouco mais de metade dos inquiridos (53,2%) considera que atualmente não é tão fácil encontrar trabalho, havendo diferenças a assinalar. Relativamente à melhoria da situação profissional, 71,3% dos inquiridos no Algarve responde favoravelmente, enquanto na AML este valor se encontra nos 46,9%. Quanto ao aumento do rendimento, no Algarve 88,8% considera ter ocorrido, enquanto na AML este valor é de 46%. Simultaneamente, entre os residentes na AML há uma percentagem muito mais alta dos que indicam que terem estado mais vezes sem trabalho (23,5% face a 2,5% no Algarve e 13,8% em Odemira). De entre as estratégias empreendidas pelos imigrantes para ultrapassar o impacto negativo da crise, o uso das poupanças é a mais frequente (64%), seguindo-se contar com o apoio das redes sociais, em território nacional (19,8%) ou no país de origem (5,6%) dos inquiridos, assim como a mudança dos padrões de consumo, deixando de adquirir alguns bens (4,1%), ou o trabalho informal (2%). Há diferenças significativas entre as nacionalidades e que se prendem com o tempo de permanência em Portugal. Os cidadãos dos PALOP são os que mais afirmaram recorrer à ajuda de familiares em território nacional (28,4%), ao passo que 93,9% dos moldavos usa os recursos individuais (nomeadamente as poupanças), e 19,6% dos asiáticos recebe ajuda de familiares no país de origem. No que concerne à criação do próprio emprego, vários dirigentes associativos, e até representantes de autarquias locais, frisaram o caráter empreendedor de muitos imigrantes que perante a perda do emprego, resolveram permanecer em Portugal e abrir o seu próprio negócio (ex: brasileiros nas áreas da alimentação e da estética). A remigração não constitui uma escolha para todos os imigrantes que vivendo em Portugal enfrentam os desafios da vida diária em contexto de crise, mas mesmo assim alguns optaram por sair. De entre os imigrantes inquiridos 5,6% já trabalharam pelo menos uma vez noutro país e 4,0% várias vezes. Esta estratégia assume-se como essencialmente masculina e os principais destinos têm sido Espanha e França, com inserção no setor da construção civil. Recomendações ao nível do mercado de trabalho: a) Alargar a rede dos Gabinetes de Inserção Profissional (GIP) articulando o trabalho do IEFP com as associações de imigrantes, ONGs e outras entidades que acolham GIPs; b) Enquadrar mais eficazmente a contratação de trabalhadores não comunitários, designadamente para atividades de natureza temporária, garantindo procedimentos burocráticos expeditos, mas sólidos e respeitadores dos direitos sociais; c) Implementar estratégias experimentais de apoio ao desenvolvimento dos locais de origem que envolvam as empresas empregadoras e as associações setoriais e impliquem os migrantes temporários que estiverem interessados (codesenvolvimento); d) Promover o trabalho em rede entre empresas que necessitam de mão-de-obra sazonal; e) Manter, se não mesmo reforçar, a monitorização e o combate a atitudes e práticas discriminatórias e racistas, implícitas e explícitas, em local de trabalho; f) Agilizar o processo de reconhecimento académico e profissional de modo a evitar a desqualificação profissional dos trabalhadores estrangeiros; g) Efetuar uma síntese global das avaliações das iniciativas de requalificação, reajuste e atualização profissional especificamente dirigidas a imigrantes qualificados. Recomendações ao nível dos serviços públicos: a) Formação adequada dos funcionários que fazem atendimento ao público na área do emprego, empreendedorismo e segurança social; b) Reforçar a fiscalização – o que implica dotar a entidade fiscalizadora de mais recursos - das práticas contratuais usadas pelas empresas relativamente aos trabalhadores estrangeiros; c) Reforçar a fiscalização das práticas contratuais e das condições de trabalho e alojamento usadas (ou “estimuladas”) pelas empresas de contratação de trabalho temporário e por intermediários que atuam neste domínio; d) Dar continuidade aos CLAIIs itinerantes de modo a chegar junto de cidadãos que não têm meios para se deslocarem aos serviços. Recomendações ao nível da regularização de imigrantes e das suas condições: a) Garantir que os trabalhadores imigrantes desempregados não são excluídos do sistema de segurança social; b) Assegurar que os trabalhadores estrangeiros que perdem o emprego não são “empurrados” para uma inevitável condição de irregularidade. Recomendações ao nível específico da língua portuguesa: a) Reforçar a promoção da aprendizagem da língua portuguesa; b) Disponibilizar informação em diversas línguas sobre o mercado de trabalho e legislação laboral. Recomendações ao nível da cooperação internacional e das representações dos países de origem: a) Estimular a atuação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) na área da imigração; b) Avaliar o papel das representações diplomáticas dos principais países de origem na proteção dos direitos laborais e sociais dos seus cidadãos imigrados em Portugal. Em termos transversais, é importante garantir que os imigrantes têm acesso aos programas de apoio e incentivo à criação do próprio emprego e de PMEs e, também, que no quadro ideal de expansão dos mecanismos de apoio à empregabilidade dos jovens, os jovens oriundos de países terceiros e os descendentes de imigrantes destas origens são devidamente abrangidos por estas medidas.