Réquiem às medidas judiciais atípicas nas execuções pecuniárias
Afinal, sem que haja respeito à legalidade, qual o limite para a aplicação do art. 139, inc. IV? O uso desenfreado desse dispositivo não poderia ser um gatilho para efetivação de medidas de exceção dentro do sistema? Consideramos possível esse risco. Daí a importância da obra ora apresentada, que é consciente do importante alerta de Giorgio Agamben: Auschwitz perdura no tempo. Ainda que o evento histórico dos lager tenha se encerrado, seus efeitos se perpetuam pelo testemunho de seus sobreviventes. Todo jurista tem o dever de ouvir esses testemunhos para lembrar à sociedade que Auschwitz nunca deixou de acontecer, e que, por conseguinte, o direito e o processo deverão ser encarados como instrumentos de racionalização e limitação do poder, nunca como combustível para qualquer tipo de punitivismo. Nelson Nery Junior e Georges Abboud Não tenho dúvida ou hesitação, após a leitura desse réquiem, de dizer que a obra ora apresentada atende plenamente os objetivos traçados pelos autores Antonio Carvalho Filho, Diego Crevelin de Sousa e Mateus Costa Pereira, corajosos críticos do autoritarismo judicial que grassa em nosso País, e, ainda, satisfaz os mais exigentes critérios que se possam erigir para semelhante iniciativa. É notório, e devidamente ressaltado já no início da monografia, a pugna ideológica que baniu os princípios liberais do processo civil, a partir do final do Século XIX, e expulsou as partes do papel de protagonistas do instrumento que, ao fim e a cabo, presta-se a resolver seus litígios. As leis processuais derivadas da Zivilprozessordnung do Império Austro-Húngaro, cuja aprovação rendeu uma inédita greve dos Advogados de Viena, aumentaram exponencialmente os poderes do órgão judicial e, ainda hoje, provoca-me muito espanto que esse órgão específico do aparato estatal se encontre blindado contra a natural desconfiança da cidadania com o poder do Estado. Os códigos brasileiros de 1939 e de 1973, criados em conjunturas políticas em que a Democracia não vicejava, e o do 2015, apesar de gerado no Estado Constitucional Democrático, filiam-se à corrente autoritária. Não é mera coincidência que os códigos da mesma feição hajam surgido em regimes totalitários, como o CPC italiano de 1940, o português de 1939 e a “reforma” da Zivilprozessordnung alemã de 1933. E a larga maioria dos processualistas brasileiros gabam essa tendência, abstraindo a origem, qualificando-a como positiva, contemporânea e benfazeja. Nenhum outro dispositivo é tão significativo quanto o já célebre art. 139, IV, do vigente CPC, que autorizou o órgão judiciário a adotar providências executivas “atípicas”. Araken de Assis