Como conciliar a liberdade natural e a necessidade de uma ordem política?

By Prof. Luiz Carlos Mariano Da Rosa

Como conciliar a liberdade natural e a necessidade de uma ordem política?
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Se a precedência cronológica do Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, concernente à sua inter-relação envolvendo Do Contrato Social, guarda correspondência com uma condição de anterioridade de caráter lógico ou sistemático, que se impõe como resultado de uma análise que se detém nas fronteiras do ser, a sua emergência não encerra senão a acepção de pars destruens da teoria política de Rousseau, cuja totalidade orgânica e unitária implica uma articulação que traz Do Contrato Social, sob o sentido normativo do dever ser, como a sua pars construens, que carrega a proposta de uma formação social que possibilite a coexistência em sua constitutividade fundamental da liberdade e da igualdade.

Escapando ao sentido que o encerra sob a acepção de uma convenção contingente, o pacto social não se impõe senão como o ato necessário do sujeito no sentido de fazer-se social, constituindo-se uma consequência lógica para a qual converge o processo de legalização que envolve a própria natureza no seu desenvolvimento ou o “social”, perfazendo um resultado que, na mesma perspectiva, implica o desejo ou o “econômico”, que emerge em uma determinada situação, a saber, no âmbito da generalização da guerra, carregando o contrato, dessa forma, uma condição que transpõe as fronteiras do arbítrio e da liberdade moral, cuja criação com a sua instrumentalidade guarda correspondência, não havendo possibilidade de se lhe anteceder, tornando-se, então, um produto das leis naturais em sua determinação na situação-limite da contradição.

Detendo-se na questão que implica a superação do estado de natureza, o texto sublinha que, divergindo da leitura antropológico-filosófica que caracteriza a construção sociopolítica que não traz como fundamento senão a existência de indivíduos ontologicamente isolados, o individualismo, que emerge através de Hobbes e Locke, a concepção de Rousseau circunscreve ao processo de socialização a possibilidade no tocante à instauração e ao desenvolvimento das determinações essenciais que, envolvendo desde o pensamento racional até a linguagem articulada, além do sentimento moral, escapam ao estágio natural e perfazem a condição humana.

Se a sociedade injusta (iníqua, “que é”), caracterizada pelo Discurso, trazendo como fundamento a propriedade privada, a divisão do trabalho e a alienação, instaura uma desigualdade incompatível com o pressuposto da condição humana, a liberdade, à sociedade justa (legítima, que “deve ser”) se impõe a questão que envolve a construção de “uma forma de associação” que guarde capacidade de defender e proteger “a pessoa e os bens de cada associado”, implicando também que o vínculo estabelecido entre o indivíduo e todos os demais nesta relação constitutiva da organização social possibilite, embora se lhe exigindo obediência, a não destituição daquilo que lhe é essencial (a liberdade), o que demanda uma sujeição que não se circunscreva senão a si mesmo, conforme assegura a Vontade Geral.

Estabelecer a conciliação envolvendo liberdade e igualdade, liberdade e soberania, razão e soberania popular - que não perfazem senão categorias que no âmbito político guardam um caráter antitético -, eis a pretensão de Rousseau, que converge para uma forma que, no tocante ao corpo político, possibilita a sua fundação através da soberania popular, dispensando qualquer tipo de recurso advindo do seu exterior para a sua limitação, desde as fronteiras que encerram a legitimidade dos direitos do homem que, emergindo do estado de natureza pré-político, se impõem às deliberações coletivas, conforme supõe a perspectiva de Locke, até o horizonte que implica a circunscrição da lei, de acordo com a proposta de Montesquieu, além do atalho que acena com a instauração da autoridade política, tanto quanto, antes, com a questão referente às condições necessárias para o exercício do poder, segundo Hobbes.